"Há uma nefasta glorificação do suicídio"

23/08/2014 02:15

Série: "A morte não existe" (parte 6)

O médico psiquiatra José Manoel Bertolote criou há mais de 20 anos um

Programa Global de Prevenção ao Suicídio para a Organização Mundial da Saúde (OMS),

e afirma que, em geral, o suicídio ocorre quando há uma doença mental instalada

(foto: Unesp/ Leandro Rocha)

 

            É possível evitar o suicídio, garante José Manoel Bertolotemédico psiquiatra, professor do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS), autor de livro sobre a prevenção do suicídio. Tendo lecionado também na Universidade de Griffith (Austrália) e atualmente na Unesp (Botucatu-SP), ele defende que se fale mais do tema, pondera que cada caso é um caso, e que as motivações também passam por cultura e religião.

            Fatores de risco

  

            Quando se estuda a população que comete suicídio, há algumas características em comum. A mais universal é a presença de um transtorno mental. Nos países ocidentais, as duas doenças mais encontradas são a depressão e o alcoolismo. A esquizofrenia vem em terceiro lugar, um pouco longe destas duas. Seja isoladamente ou em uma combinação de fatores, cerca de dois terços de todas as pessoas que cometem suicídio têm ou depressão ou alcoolismo.

  Como o Oriente

lida com a questão

 

            Só na Índia e na China têm um quarto de todos suicídios do mundo. São mais de 200 mil nestes dois países. Além disso, apesar de não ser maioria, quase um quarto é de suicídios impulsivos, ao passo que no Ocidente isto é raríssimo. São gestos para impressionar, não necessariamente com a intenção de morrer. Na China, tradicionalmente, quando há o casamento, a noiva vai morar na casa do noivo, onde morava o filho e os pais. O grande conflito que tem como consequência o suicídio lá é entre nora e sogra.

 

Programa de prevenção

de suicídio da OMS

 

            Por 20 anos eu trabalhei na Organização Mundial da Saúde (OMS), chefiando a seção que cuida dos caos de transtornos mentais. Criei o programa que trata da melhoria do atendimento ao doente mental grave, principalmente com estes três diagnósticos que mencionei.

 

Da prevenção

 

            O suicídio é uma situação de crise na vida que é absolutamente evitável, é uma eventualidade que ocorre geralmente na vigência de uma doença mental e é importante que cada cidadão se sinta responsável pelo vizinho ou parente que ele perceba estar em crise.

Identificando

os sinais

 

            As pessoas se retraem. Uma das dificuldades de poder ajudar é que elas se afastam, o problema não é visível. Normalmente não nos interrogamos sobre o que está havendo. Entrevistamos famílias de suicidas em Botucatu, interior de São Paulo, e vimos que em alguns casos eles contaram para familiares que iam se matar, mas ninguém fez nada.

Vontade de matar-se

é frequente

 

            Passa pela cabeça de todo mundo sim, e no momento que a pessoa sabe que existe um médico, um enfermeiro, uma associação, um padre, um pastor, um número de telefone, a quem ela possa recorrer e falar do problema, a pessoa usa.

O papel da família

nisso tudo

 

            Existem associações em vários países que se denominam “sobreviventes do suicídio”. Não para os que tentaram se suicidar, mas para os familiares e amigos que ficaram. Existe uma mistura de sentimentos, como culpa, raiva, impotência, que são fatores de risco para um novo suicídio. É comum a pessoa que ficou de um suicídio tente se suicidar também, como em “Romeu e Julieta”.

 

Identificando o

potencial suicida

 

            Há um grupo de pessoas que realmente quer botar um fim na vida. Ou acha que viveu tudo o que tinha para viver, que não tem mais sentido, ou que não enxerga uma saída para uma situação difícil que está vivendo, então quer acabar com tudo. Há outro grupo que não quer necessariamente morrer, mas quer mudar aquela situação. Existe um terceiro grupo para quem o ato suicida é o famoso grito de socorro.

"Motivação"

para o suicídio

 

            O indivíduo se suicida na crise de ansiedade. Está deprimido, o rendimento cai e ele é despedido. É um precipitante. Mas a percepção social toma o precipitante pela causa. Acham que ele se suicidou por ter sido demitido e não pelos outros sintomas.

Tendência ao suicídio

por gênero

 

            Uma das manifestações típicas em homens é o uso de álcool e, em menor quantidade, drogas. Além disso, a depressão no homem nem sempre é diagnosticada porque apresenta características diversas da da feminina. No homem, se manifesta mais como transtorno de comportamento, agressividade.

Tendência ao suicídio

por faixa etária

 

            A taxa de suicídio cresce com a idade. Ela é zero até os 5 anos, praticamente zero até os 10 anos, baixíssima até os 15; aí começa a subir progressivamente e as taxas mais altas estão em idosos. A taxa média do Brasil é de seis suicídios por 100 mil habitantes, entretanto, em idosos, ela chega a 25/100 mil.

Governo brasileiro

substima dados

 

            Brasil é tradicionalmente religioso, a maioria não tem armas de fogo, a população idosa não é tão grande, é uma série de fatores. Há dez mil suicídios por ano, está em décimo lugar. Mas a taxa é mesmo muito baixa. Só que vem aumentando nos últimos dez anos, principalmente em jovens, que é uma população muito desassistida.

Legislação brasileira

considera o suicídio

prática criminosa

 

            Há mais de 50 anos que nenhum juiz processa alguém por tentativa de suicídio. Há países onde isso é mais sério, como na Índia, o que complica o tratamento, porque o paciente foge do hospital e o médico omite o fato. Há países que reconhecem o direito equivocado, como a Suíça. É uma decisão claramente errada, mas de foro íntimo que varia muito dada a situação de ignorância que enceguece o indivíduo, ainda que letrado. 

Grupos de

maior incidência

 

            São os policiais e os combatentes de guerra por uma questão muito clara: eles têm uma arma sempre à disposição. O acesso ao meio é fundamental. Médicos e dentistas, além de outros que têm acesso a drogas (lícitas ou não), também.

A facilidade de acesso

amplia a propensão?

 

            A taxa é relativa. Nos EUA não é muito alta, entretanto, a grande maioria de suicídios é por arma de fogo. Será de se esperar uma queda drástica dessa taxa com um controle maior de armamentos em todo o mundo.

A responsabilidade

é de todos

 

            A saúde está na ponta, inclusive tem só 200 anos que isto entrou no rol da ciência médica. A religião tem uma enorme influência preventiva ao suicídio. Um estudo que fiz na OMS comparando países de religiões diferentes mostrou que os mais ateus na época, como a ex-URSS, a China e o Vietnã, tinham taxas muito mais elevadas do que países com religião, seja budismo, cristianismo ou islamismo. Aliás, é extremamente raro o suicídio em países muçulmanos, salvo os equívocos identificados em nome do terrorismo, pessoas que se matam para atingir o suposto inimigo, que não se contentam em tirar a própria vida, mas a do seu semelhante também.

Épocas de maior ou

menor incidência

 

            Na Europa, houve queda vertical na 1ª e 2ª guerras. Há algumas explicações, como por exemplo a pessoa ter que lutar pela sobrevivência e se desvia de seus problemas. Em praticamente todos os países com conflito armado com inimigo externo, o suicídio diminui. Por outro lado, aumenta com uma desorganização social. Quando a Noruega descobriu petróleo e ficou rica da noite para o dia, houve grande onda de suicídios.


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